domingo, 29 de agosto de 2010

VENTOS

Convoco os grandes ventos de norte e sul
Na esperança de um grande mar
Em todos os tons de azul
Mar de muitas correntezas e velas
Asas brancas tingindo até ao infinito
Zarpar sem olhar para trás
Enquanto o sal não seca no corpo
E a pele ainda sabe a mar
Mirando a linha do horizonte
Até doerem os olhos, de muita luz.

GED

domingo, 8 de agosto de 2010

ELA

Hoje abensonhei rios
Todos os rios da minha vida
Mapa mundo hidrográfico
Saliente, correndo no corpo dela
Marcando montanhas e desfiladeiros
Veias
Rios na pele nua, macia
Voando velozes em turbilhão
Na correnteza, palavras e paixões
Cálidas, lentas, de bemquerer
Circulando cores e aromas
Em todos os tons de amorazul
Hoje abensonhei portas destrancadas
Entreavistei alucinações, delírios
O corpo nu há muito desejado
E janelas abertas no céu
Na madrugada de dias nascendo
Flutuam atois, ancorados
Na dádiva de um grande amor
Hoje abensonhei procuras incessantes
Envolvi cazumbis, tchinganges e feiticeiros
Ofereci tudo o que me resta a Kianda
Finalmente sei o seu nome verdadeiro
Vem Mahe
Porque eras tu
Porque era eu
Vem

GED

sexta-feira, 30 de julho de 2010

ALDA LARA


A segunda excepção, para um poema que não é meu. Da grande poetisa angolana.

as longas mãos, cobertas de silêncios
e de esperas
acariciam agora, outras mãos,
mais pequenas e mais belas…
e desse contacto tão distante,
que ainda é saudade,
e é já promessa,
nasce a íntima certeza
de que o sangue do meu corpo
corre para o teu,
como uma herança…

estão presas as minhas mãos,
às tuas mãos, criança!
e sobre a ponte frágil
dos nossos dedos confundidos
como cadeias de hera,
se ergue dia a dia
a esperança desta dor
e desta espera…

Alda Lara

quinta-feira, 29 de julho de 2010

INDIA

Índia, sangue tupi
Bela, incrivelmente bela
Corpo esguio dançando na areia
Princesa de olhos negros
Caminhando na berma da tarde
Coração batendo
No comando de todos os tambores
Veias circulando lavas ancestrais
Alma vestindo todos os tons de azul
Sorriso de atear incêndios e aquecer invernias
Cruzeiro do Sul
De navegadores perdidos
Rio de correntezas selvagens
Na coragem de quem ousar

GED

VEM!

Vem
Mostra-me o caminho
Desse tecido de que fazes os sonhos
Onde os poemas não têm razão de ser
Não preciso de fotografar
Apenas sentir, tocar sem pudor
Vem
Dá-me a mão
Ensina-me a geografia dos teus céus
Borda-me os poemas que farei
Sem rumos, nem desvios, nem distâncias
Entra. Chega mais perto
Vem até à beira
Vem!

GED

sexta-feira, 23 de julho de 2010

ANJO

Oiço um anjo respirar no meu ombro
Num sussurro de mil sóis vagabundos
Adivinho-lhe as asas brancas
Fechando-se suavemente em mim
Um rio de águas mornas aquece palavras
Próximo, uma fogueira espreguiça-se
Ardem sem pressa afectos invisíveis
Num rasto sem fim de promessas
Que um dia serão cumpridas
Oiço um anjo respirar no meu ombro
E aquieto-me numa espera serena.

GED

segunda-feira, 19 de julho de 2010

TONS DE AZUL

Vivem nas bermas do mundo
Nos longes do outro
Ela tem oceanos na cabeça
Fantasmas vagueando por lá
Nas areias douradas
Ele percorre os grandes desertos
De ventos e silêncios
Ela dança ao som de mil girassóis
Com o seu vestido de cetim azul
Desenhando sensualidades
De tangos e boleros ecoando na tarde
Ele aquieta-se na calmaria do crepúsculo
Afundando-se com o sol no horizonte
Vidas desaguando em azuis diferentes
Mas adormecem nos sonhos de cada um

GED

quarta-feira, 23 de junho de 2010

MÃOS

É de mãos que eu falo
Dedilhando cuidadosamente os sons
De corpos e almas
De mãos serenas, traçando contornos
Para além do vazio e da solidão
Criando ilhas em oceanos violetas
De mãos firmes desventrando amores
Apontando firmemente os caminhos futuros
De mãos entrelaçando outras mãos
Em gestos de ternura incontida.
De mãos incapazes de rasgar cartas
Concavas, segurando a areia dos penhascos
Voando exuberantes sobre as ondas
De mãos feiticeiras tecendo sem fim
Penélopes traçando os seus próprios rumos
De mãos acariciando serenas, o dorso dos rios
Desvendando labirintos e enseadas
Até que finalmente tudo seja mar
É de mãos que eu falo.

GED

terça-feira, 15 de junho de 2010

TERRA

Terra
Cais seguro no fim da viagem
De atracar barcos e vidas
Abraço ancorado de fim de dia
Cais sem paredes nem amarrações
Luzindo mil sóis vagabundos
Terra
Minha casa, meu lugar seguro
Com cheiros de rosmaninho
E girassóis dançando ao luar
Oceanos juntando outros sussurros
Nas pressas de viver e voar
Terra
Rios azuis asilando lussengues e bagres
Gente entrelaçando almas
Colocando pedras nos alicerces do mundo
Meninos boiando na superfície da vida
Mil línguas, todas iguais
Terra
Cetins azuis e verdes flutuando
Livremente nos ventos tão diferentes
Catuites e zonguinhas e seripipis
Chilreando alegrias e alucinações
Rios escorrendo águas e destinos
Terra
Meu derradeiro porto de abrigo

GED
Coimbra, Junho de 2010

quarta-feira, 26 de maio de 2010

ELA E ELE

Rasgam-se fendas no tecido do tempo
Cidades flutuantes brilham no escuro
No incessanto balanço dos mares e marés
As noites afundam-se no horizonte
Vapores liquidos estremecem o ar quente
Ela, bailarina ensaia passos de dança
Daqueles que já não se usam mais
Vestido de cetim azul pairando no ar
Os olhos dele enchem-se de pirilampos
Brilhando desejos de querer ousar
Sorriem-se
Em ondas de espuma e ventos mansos
E ela, e ele
São rios de muito encanto e alucinações
Descendo montanhas abruptas e planícies
Até serem apenas foz.

GED