domingo, 22 de junho de 2008

ANIVERSÁRIO ( DO MANUEL)

 Para trás ficaram as poeiras das picadas.
Caminhos do mato tantas vezes percorridos antes, e depois em sonhos.
Muitas mulheres bonitas.
Tardes calorentas na praia Morena, vigiados pelo Sombreiro.
Biúlas fumadas às escondidas.
Mordem os nossos calcanhares os “lobos da memória”.
Que bom saber que a vida dos amigos se alonga serenamente.
Não sei o que tens pela frente, mas desejo-te e, faço minhas as palavras do Luandino:
- Vivi. Engrossei o rio de lágrimas que me pariu. Depois lutei contra a corrente. Pelejei com as margens.
Agora cheguei à foz. Com os meus companheiros, os fiéis da vida. Diante de nós o mar. No porenquanto entro o mar com eles.
Até onde?

GED

POETAS

De um vislumbre fugaz
Tecem-se os fios de um sonho
De um barco desamparando o cais
Fiam histórias de amor e maldições
Sem cuidar da exacta medida das frases
As palavras duramente paridas
Buscam o mais fundo de nós
Se apenas cantarem
Sem quadras, rimas ou sonetos.
Quando a esperança cavalga o desespero
E há nuvens cinzentas
Nas cordilheiras à nossa frente
Quando alguém está encurralado
Dentro de si mesmo
Na pior das emboscadas
É preciso
É necessário
Que as palavras apenas cantem
Sem quadras, rimas ou sonetos

GED

CHICO

Soltam-se danças no peito
Percorro o mundo redondo da música
E voo à solta pelos sonhos
De mão dada com velhos amigos.
Magia de tudo ser possível
Embarcar em qualquer viagem
Poder estar louco por momentos
Soltar-me na melhor malandragem
Amar serenamente sem culpas.
Mas,
Quando me quero encontrar
Olhar para dentro e reconhecer-me
Atravesso sozinho o grande mar
Ao encontro de um velho amigo.
E, falamos conversas longas
Da vida e morte da Severina
Das meninas dele e das minhas
As mesmas ideias, as mesmas lutas
Percursos paralelos, a mesma sina
Construimos países imaginários
Relembramos os nossos heróis
Guerreamos contra as injustiças
Derrubamos ditadores sanguinários.
Escreveu-me quando estava em festa
Estivemos de verdade, mas já não
Pena que esteja tão longe
Que não saiba quanto é meu irmão
Há um mar tão grande entre nós
Mas há tanto mar a juntar-nos.

GED

quinta-feira, 12 de junho de 2008

MEU IRMÃO

De madrugada
A noite ainda cintilava de estrelas
Destacou-se do bando
E voou
Um voo alto, definitivo, sem retorno
Para lá das últimas cordilheiras
E
Acendeu uma candeia no teto do céu.
Mais uma
Junto a tantas outras
Derramando luz nos nossos caminhos
Recordando quem somos.
Ausência
Tantas ausências
Estalam no meu peito
E
A alma quase verga
Na saudade roendo em cada dia.
Sonho que voa serenamente noutros bandos
Aproveitando os ventos de feição
Esperando por nós.
Um dia, juntos de novo
Voaremos sem pressas
No acolhedor azul infinito.
Um dia…

A VIDA AFINAL É…

Danças lentas, nas espirais de fumo
A pele respira aromas há muito esquecidos
Estremeço na vertigem de imagens passadas
No concavo da noite, finalmente decido
Sigo em frente, palmilhando o meu futuro.
Na certeza de que no momento derradeiro
Quero apenas sorrir com a alma lavada

REFLEXOS

Como sempre uma dança lenta,
Olhando-se no fundo dos olhos rasos de água.
Reflectiram-se, como só dois apaixonados sabem fazer.
E o dia foi amanhecendo...

VERÃO ANTIGO

Junho queima nos corpos
As brasas que ficaram de outros calores.
A pele respira ofegante, rápida
Ainda tremendo com as lembranças
De cacimbos antigos.

FOGO

Não sei porquê...de repente pus-me a pensar
Em borboletas...azuis, claro.
Jamais se aproximam do fogo com medo de queimar as asas.
Não sei porquê...de repente pus-me a pensar!

A PALAVRA

Gotas de chuva escorrem na vidraça embaciada
Ouvem-se murmúrios na casa da poesia
Apenas murmúrios, quase impossível tecer a palavra
Certeira, definitiva, redonda, afiada
Quando nasce, vem do fundo mais fundo
E cresce, até me sentir esgotado
Basta acariciá-la e lançá-la no espaço
Vai voar, um voo perfeito, profundo
E pousar serena
No poema finalmente acabado.

CLASSE É..

Classe é ter nascido no mato
E ser um principe no meio da multidão.
É cortejar uma mulher
E ela não se sentir ofendida.
Classe é tocar na Vénus de Milo
E sentir um arrepio na pele.
É tratar um pobre
Como se fosse milionário.
Classe é estar numa taberna
Como se está no Marriot em Nova Iorque.
É poder falar com os outros
E ouvir o que têm para dizer.
Classe é passear pela cultura
Como se deambulasse numa praia deserta.
E poder curar todas as feridas
Sem se preocupar com as cicatrizes que ficam.
Classe é enfrentar os bravios mares da vida
Sabendo que o barco não se vai afundar
É conseguir aguentar a nossa posição
Ainda que isso nos custe a vida.
Classe é ter sido de esquerda
E continuar a sê-lo, apesar de tudo.
É conseguir guardar todos os amigos
No lado esquerdo do peito.
Classe é sentir-se cidadão do mundo
Sem esquecer de onde se vem.
É ler um poema de Neruda
E chorar sem qualquer vergonha.
Classe é poder enfrentar o fim que vem
Com a certeza de ter sido feliz.