domingo, 27 de abril de 2008

NOITES

Deito-me bem fundo na noite
Flutuando em acolhedores silêncios
Desadormeço, sismando
Viagens em velhos mares interiores.
Em montanhas, planuras, ravinas
Buscando
Um momento perfeito do tempo
Existindo em qualquer lugar
Que ainda não vislumbrei.
Visitam-me assombrações
E maravilhas
Revejo-me em desassossego
Em lugares por onde nunca andei.
Há tantos amigos que deixei atrás
E outros tantos que ainda não encontrei.
Com eles fui feliz muitas vezes
Em infâncias deste meu futuro.
Roubo tempo à noite
Buscando as diferenças que não fiz
Ansiando entender o que me trouxe aqui
Tão longe de rumos anunciados.
Busco incessantemente
O momento perfeito do tempo.
E rompo a noite até ser dia
Com memórias de olheiras fundas
Sabendo que haverá outras noites
E que o meu momento perfeito do tempo
Há-de aparecer.

TALHADOR DE SONHOS

Palmilhei todos os cantos do mundo
Caminhei com outras gentes
Errei como qualquer vagabundo
Encontrei mil pessoas diferentes.
Num lugar muito longe daqui
Conheci um homem misterioso
Dizia-se, talhador de sonhos
De quaisquer sonhos e, a pedido
Talhava também fantasias e alucinações
Há anos que o povo chegava sem cessar
Na esperança de um, ainda que pequenino
E ele talhava, talhava sempre
Espantado por não terem sonhos seus
Homens grandes que nunca foram meninos.
Noutro lugar distante conheci uma mulher
Era escultora, mas bem diferente
Esculpia sem parar, mas eram almas.
Fazia-as de todas as formas e feitios
Habitualmente saíam bonitas, perfeitas
De vez em quando, algumas com defeito
Para valorizar ainda mais as outras.
Muito mais tarde, conheci um homem
De ar normal, um pouco distraído apenas
Vivia para proteger espécies em extinção
Tinha um zoológico com jaulas e jardins
Onde tratava carinhosamente de todos
Chamou-me a atenção algumas jaulas seguidas.
Numa um casal de alegrias, noutra uma viola
Mais à frente o Kilimanjaro e um bandolim
Mas o que de melhor se tinha conseguido
Estava no espaço principal do zoo
Um casal de sonhos, tinha finalmente
Dado à luz em cativeiro, um par de gémeos.
Pela primeira vez havia a esperança real
De salvar a espécie humana em perigo.

NOSTALGIA

Caminhando pela tarde...
Um imbondeiro debaixo do braço.
Estiro o olhar pelos longes
E... vejo um pássaro azul
Planando no ar.

LUZ II

Não há nenhum lado escuro
No sorriso de uma criança
Não há nenhum lado escuro
Para quem ainda tem esperança
Não há nenhum lado escuro
Quando o céu continua azul
Não há nenhum lado escuro
Nas gentes que vieram do sul
Não há nenhum lado escuro
Na alegria de gente feita de luz
Não há nenhum lado escuro
Sempre que alguém nos seduz
Não há nenhum lado escuro
Em crer que o outro é meu irmão
Não há nenhum lado escuro
No claro e eterno jogo da sedução
Não há nenhum lado escuro
Mesmo na face de miudos com fome
Não há nenhum lado escuro
Se a solidariedade tiver esse nome
Não há nenhum lado escuro
Se te colocarem estrelas na fronte
Não há nenhum lado escuro
Se conseguirmos atravessar a ponte
Não há nenhum lado escuro
Num guerrilheiro que mata
Não há nenhum lado escuro
Quando o faz pela ideia exacta
Não há nenhum lado escuro
Enquanto houver uma dádiva tua
Apenas há um lado escuro
Na face que está oculta, da lua

TANTO MAR

No teu olhar
Habitam oceanos azuis
Promessas e bençãos
Flutuam
Até ao horizonte
Sobra tanto mar
Nos azuis profundos
Do teu olhar
Tanto mar navegado
Ainda tanto para percorrer
Caminhos nunca pisados
Nos lagos azuis
Do teu olhar.

PASTOR

Eu invento palavras e lugares
Deslizo pelas imagens e pela cor
Pelos caminhos penosos e do amor
Decido toda a sorte e os azares

Vejo em cada estrela uma esperança
Enfureço o mar e acalmo os ventos
Antevejo bonanças e tormentos
Rejubilo-me com cada mudança

Os meus amigos dizem que sou poeta
Com uma amizade sem tamanho
Sou só um pobre pastor sem rebanho
Tentando libertar do arco a minha seta

IMBONDEIRO

Raízes cravadas bem no fundo
Dos abençoados solos africanos
Quando desaparecermos do mundo
Estarão ainda por mais mil anos

Serenos e pacientes, já lá estavam
Na chegada da primeira nau marinheira
Invencíveis e imponentes lá ficaram
Quando desapareceu uma raça inteira

Sobranceiros continuam a observar
As tragédias e alegrias de um povo
Que apenas queria poder chegar
Às fundas raízes de um tempo novo

Erguem os braços aos céus, vigorosos
No silêncio fazem ouvir a sua voz
E nós continuamos todos, silenciosos
Aguardando um destino belo, ou atroz

Pendem ratos dos seus braços esguios
Enormes, tão assustadores à luz do luar
A carne é branca, como a neve dos frios
Agridoce, para quem os consegue apanhar

Donos de todas as minhas emoções
Sempre foram bons companheiros
São árvores de angolanas tradições
São altivos, e chamam-se imbondeiros.

NAVEGADOR DOS SONHOS

NAVEGADOR DOS SONHOS
( De um texto em prosa, que foi escrito com alma de poeta )
Para o seu verdadeiro dono, o meu amigo Manel.



Há muitos bateis de nostalgia
Fundeados nas margens do Tejo
Frequentemente acostam-se a nós
Partir ou ficar torna-se uma agonia

Vem devagar esta melancolia
É estranho este desconsolo
Em vez de nos trazer tristeza
Traz-nos uma imensa alegria

Se alguém lhes solta as velas
Levam-nos em sonhos perdidos
Pelos sulcos doridos do mar
Até às nossas praias mais belas

Na bagagem apenas a certeza
Que a viagem vale sempre a pena
É uma viagem às nossas raízes
Na África Ocidental Portuguesa

Podemos visitar postos militares
Sem guarnições nem canhões
Ou mergulhar na praia Morena
Apenas na memória desses lugares

É uma viagem sempre sem volta
Tantas, tantas vezes navegada
Os caminhos marcados na alma
E os sonhos a correrem à solta.

sábado, 19 de abril de 2008

ALUCINAÇÕES

Que bom caminhar solitário pela berma da tarde
Com um imbondeiro debaixo do braço

E lançar serenamente, ao cair da noite
Raízes fundas com o companheiro de jornada

E, contemplar a noite de mil estrelas
Como se fosse apenas a primeira vez...

E adormecer no instante absolutamente preciso
Em que a noite empalidece.

GED

LUZ (para a Filipa)

Soube dela pela primeira vez
No cimo do Empire State
Vem aí uma menina
Muito pequenina
Nova Iorque brilhou mais
O primeiro olhar
Uma ferida a doer
Um passo, outro passo
Começou a andar
E a crescer
Refugia-se no meu colo
Um olhar que seduz
Meiga
Cúmplice
Tão pequenina
Irradia tanta luz
Ilumina os meus caminhos.

GED

POETA ?

Pastores de palavras
Tecelões de ideias
Tecendo lentamente estas teias
Semeando como se fossem lavras
São assim os poetas do meu país
De todos os países
E eu?

GED

LUSOSINFONIA

O grande mar oceano
Divide pátrias lusitanas
Caminhos longos das vagas
Exilando pastores e poetas.
Mas, nos verdes cavalos do vento
Cavalgam sussurros e vozes
Fazendo ruir as muralhas
Construindo histórias comuns
Pátrias da mesma língua.
Nenhum oceano é tão grande
Que separe a história.
Afinal vivem juntos
Pastores e poetas.

GED

JORNADA PARA A ALVORADA

Caminho solitário
Pela margem dos sonhos.
Imóvel no ar
Junto a mim
Voa um pequenino beija-flor.
E mais longe
Um falcão sobrevoa a planície.
Atrás de nós anoitece.
Caminhamos
Em direcção à alvorada.
Cai uma chuva miúda
Que me escorre pela face.
Existimos os três
Juntos no mesmo corpo.
Guerreiros e sonhadores.

GED

quinta-feira, 17 de abril de 2008

MUNDO NEGRO

Vivem desvairados
Na periferia do mundo
No lado negro da vida.
Encarcerados
Entre o não ser e o ódio.
Incapazes de um sorriso
Ou
De um sonho rutilante.
Inventam
Balas fundidas na própria alma
Que despejam em lagos de fogo.
Atiçam
Fogos imensos, cruéis.
E
Incapazes de os controlar
Ardem neles silenciosamente.
Vivem
No meio de nós
Disfarçados e atentos
Ateando males medonhos
Libertando todas as pestes
Todas as lepras do mundo.
Não podemos vencê-los.
Não podemos convencê-los.
Nem
Um sorriso de criança
Seria suficiente.
Apenas podemos desejar
Que a Força possa vir a estar
Com eles.

GED

RUMO AO DESCONHECIDO

Partiam, sem conhecer os ventos
Carregando todas as esperanças e medos
Meses a fio cavalgando a espuma
Enfrentando Adamastores e tormentos
A força a fugir-lhes por entre os dedos
O escorbuto ceifando vidas, uma a uma.

Foram demais, os que a morte ceifou
Preço alto para este país tão pobre
Com mil anseios de outras paragens.
Vidas demasiadas que o oceano tragou
Para que o Cabo das Tormentas se dobre
Na busca de novos sonhos e miragens

Naus catrinetas viajando no azul
Gajeiros vasculhando o risco do mar
Buscando Áfricas, Brasis, Orientes
Partiram , para o norte e para o sul
Com nenhuma certeza de poder voltar
Navegaram buscando novas gentes.

Mas pouco a pouco foram chegando
Poucos, quase nenhuns, mas chegaram
Carregando a fé e o império nos ombros
Que por especiarias foram trocando
Com as naus carregadas regressaram
A contar muitas histórias de assombros.

E voltaram a ir de novo, e regressaram
Agora na miragem da terra prometida
A alma carregada de toda a esperança
E voltaram a ir de novo, e lá ficaram
Lançaram padrões, ancoras de vida
Espalharam por lá a lusitana herança.

Velhos colonos, lutando no denso calor
Criando o nosso império dito colonial
Plantando e colhendo a dádiva do chão
Construindo as nossas raízes com amor
Inventando um país genuinamente real
Onde viver, fosse mais que uma ilusão

Eram muito orgulhosos os nossos pais
Sonharam o sonho julgado impossível
Mas no fim, o país sonhado estava lá
Sofreram por entre matas e canaviais
Erguendo a pulso, o nosso país incrível
Traves aqui, carris ali, fábricas acolá

O vento da história correu ao avesso
Caíu o império que julgavam infindo
Meteram-se nas naus e regressaram
Deixando atrás um nevoeiro espesso
Podia ter sido um sonho muito lindo
Já sonhado nas barcas que arribaram.

GED

ESPERANÇA

 
Sinto-me bem
Mesmo quando cavalgo tempestades
Ainda que medonhas.
Sinto-me bem
Há gente feita de luz
No meu caminho.
Sinto-me bem
Ainda que no dorso
Escuro do medo.
Quando adiante não há nada
Mas há gente feita de luz.
Sinto-me bem
Na garupa do pavor
No meio da maior dor
Porque no meio do nevoeiro
Há gente feita de luz.
Sinto-me bem
A roçar o pescoço do desespero
Quando já nada parece possível
Quando o futuro não está lá
Porque há gente feita de luz.
Sinto-me bem
Quando monto nas tristezas
E levo as amarguras pela rédea
Sinto-me bem
Porque há-de haver sempre
Gente feita de luz.

AVE

Os fios da minha vida
Alguém os puxa por mim.
Mas os sonhos...
Ah, esses são só meus.
Cristalinos, livres,
Esvoaçam ao sabor
Das tempestades.
Quando um sonho nasce
Nada o detém.
Liberta-se,
Ganha forma, cor
Voa pelos céus
Rindo-se
De quem puxa
Os fios da minha vida.

GED

VOO DO SONHO

Pouso docemente uma palavra
No dorso branco do papel.
Por momentos fica quieta
Depois lentamente agita-se.
Uma borboleta tremendo as asas
Preparando-se para o voo.
Levanta decidida e
Toma um rumo próprio.
Chama as companheiras e lá vão.
Já não dependem de mim
Mas carregam os meus sonhos.

GED