terça-feira, 20 de maio de 2008

TERRA

Tons de azul dançando com nuvens
Solidão de viajante no infinito negro
Minha casa, planeta riscado de luar
Amornando no sol de todos os dias
Continentes brilhando ao anoitecer
Rios espreguiçando-se à flor da pele
Vagueando no desejo de serem mar
Rugas estilhaçadas roçando os céus
Grandes oceanos fermentando vidas
Danças lentas, marcando os ritmos
Das noites suaves, dos dias verticais
Dos amanhãs flutuando nas brumas
Minha casa, planeta de impossíveis
Equador vincando norte e meridiões
Dividindo alucinações e maravilhas
Imbondeiros, cravados nas planícies
Gaviões imóveis em busca da presa
Pastores conduzindo gado e solidões
Brisas ondulando a quietude da tarde
Minha casa, planeta de muitas vozes
Semeada com sussurros tão desiguais
De guerreiros desafiando os destinos
E poetas tecendo as malhas do futuro
Outras mundos estão na palma da mão
Brilhando na coragem de quem ousar

EQUADOR

Há um equador em cada um de nós
Rigores geográficos de norte e sul
Rotas migratórias marcadas no céu
Rosa dos ventos de um destino a sós
Ansiedade de voos no infinito azul
Até ao lugar que o coração escolheu.

Viagem solitária com rumos certos
Sem azimutes compassos ou cartas
Apenas o instinto de saber navegar
Pelos céus, tempestuosos ou abertos
Rasgar noite e dia com asas fartas
Até pressentir que aquele é o lugar

Chegar, como quem chega de viagem
Reconhecendo em cada pedra a casa
Onde tantas vezes quisemos chegar
E, era sempre sonho, sempre miragem
Ficar imóvel, tempo de fechar a asa
Abrir o peito ao sol, sorrir devagar

HAIKAI

 Dormem os lobos
Há um tchingange dançando
Ao som de girassóis.

À SOMBRA DA MULEMBA

Diante de mim
Uma estrada sem fim, rasga a planície
Asfalto negro, tremendo em alucinações escaldantes
Percorro-a sem parar
Até ver o dia escorrer lentamente, noite adentro.
Ao longe, uma fogueira cintilante
Debaixo de uma mulemba solitária
Chego tremendo de frio e sento-me.
Em redor, homens e mulheres conversando baixinho
Vieram de todas as partes
Ouviram falar desta fogueira mítica
Onde nascem histórias e canções e amizades
Relembram-se tchinganges, maravilhas e aparições
E os rios impetuosos e imbondeiros altivos
De repente, já não sinto frio
As estrelas brilham mais
A fogueira agiganta-se em milhões de faúlhas
Que sobem e se transformam em mais estrelas
Desapareceu o cansaço.
Aconchego-me, ponho o cambriquito nos ombros
E deixo-me levar finalmente
Pelos verdadeiros caminhos da minha vida.

PORMENORES

A vida é feita de luz
No risco vermelho no horizonte
Diluindo o dia na noite que vem
Ou naquela pétala azul
Entre todas as outras brancas
A vida é feita de luz
Viajando pelo lado esquerdo da vida
Neste momento de abandono
Subir a pulso o Kilimanjaro
Únicamente para ver nascer o sol
A vida é feita de luz
Ao olhar a selva africana
E ver apenas o colibri beijando flores
E olhar para um homem
E conseguir ver o menino que lá mora
A vida é feita de luz
Quando escutamos aquela música banal
E dela retemos pequenos acordes maravilhosos

Deus existe nos pormenores

DANÇA LENTA

Esse dia acordou
Com uma estranha poeira no ar
Senti-a ainda embriagado de noite
Ensaiei uma dança lenta de acordar
Estremecendo paludismos interiores.
O campo de batalha da minha vida
Ainda não está... cicatrizado.
Sabia o que me esperava.
Relampagos lavrando a pele da terra
Escorrendo vermelha de lava
Pelos carreiros de chuva furiosa.
Depois, o sol escaldante no rosto
A solidão das planícies sem fim
Eu caminhando na berma da tarde
Um imbondeiro debaixo do braço.
Quis fugir desta agonia habitual
Desta alucinação que me consome
Mas permaneci quieto e vertical.
Pirilampos esvoaçaram em redor
Pousou um beija-flor no meu ombro
Lentamente foi-se atenuando a dor
Desta cicatriz que teima em abrir
Latejando quando menos espero
Vergando-me os alinhavos da alma.
Há tantos dias que acordam
Com uma estranha poeira no ar.
O campo de batalha da minha vida
Jamais...estará cicatrizado.